sexta-feira, 19 de outubro de 2012

DISCURSO DE ABERTURA DO II CONGRESSO DA SBrET


O presente documento sustenta a tese de que as atuais dificuldades do sistema educacional brasileiro resultam de uma visão de curto prazo, pautada pelo sistema capitalista, intrinsecamente relacionado com o conceito de mercado. Essa visão imediatista é ampliada ou reforçada pelos correntes sistemas de avaliação universitária, que estão concebidos para captar sintomas e não diagnosticar as efetivas causas das crises que assolam a universidade pública brasileira. O Programa de Educação Tutorial (PET), que apóia-se na tríade ensino, pesquisa e extensão, distingue-se por representar, talvez, na melhor alternativa educacional efetivamente colocada em prática no Brasil ao longo dos últimos 30 anos, permitindo semear e fundamentar uma nova abordagem lógica para o desenvolvimento do trabalho universitário.

Estamos imersos em um ambiente capitalista, construído e orientado pelos laboratórios científicos. A ciência rege de forma soberana os destinos da globalização econômica atual e de nossas vidas. Esse ambiente deve ser analisado com cuidado. No século XVI, quando entramos na modernidade, o capitalismo de produção foi enfatizado.  No início do século XX, houve migração de um capitalismo de produção para um capitalismo de consumo. O Brasil, por sua vez,  embora já tenha estado na vanguarda em função das incursões de Portugal por via marítima no século XVI, recusa-se ou tem dificuldade de entrar na chamada modernidade, sinônimo de cultura científica. Essa cultura científica está associada a um sujeito da ciência (lógica transcendental), que, por exemplo, em alguns países como os Estados Unidos, está claramente definido como do tipo Fordiano, de característica intervalar. No Brasil, esse sujeito da ciência, em função da formação jesuítica nacional, assume ares, muitas vezes, de um sujeito coletivo. Essa indefinição pode estar associada a atrasos ou eventual construção do que seria um estágio além da modernidade, possibilitado pelo caldo cultural brasileiro. Existe, enfim, um inconsciente nacional, caracterizado pela chamada lógica da diferença ou do outro. Adicionalmente, a história do país está associada a um princípio dialético, que, muitas vezes, chamamos de progresso.

Em especial, está-se aqui a destacar que, ao contrário do pensamento usual, aristotélico e científico, o PET proporciona uma oportunidade ímpar para revelarmos e trabalharmos com todas as lógicas do pensar e não nos asfixiarmos em uma modernidade de bases cartesianas estritamente associada com a lógica científica, que tem exercido, com severas dificuldades, a nível nacional, o papel de verdadeiro elixir estimulador do desenvolvimento brasileiro.

Os sistemas de avaliação não têm conseguido, de fato, avaliar, os fatores endógenos e inconscientes dos vários participantes da pesquisa nacional, envolvendo, professores, alunos e técnico-administrativos, que verdadeiramente são os motivadores das ações empreendidas por esses agentes educacionais. As avaliações de produtividade têm sido construídas na base estrita de números que permitem a análise quantitativa, mas que, infelizmente, são insuficientes para recolher subsídios para traçar estratégias educacionais mais globais, uma vez que desconhecem a lógica do desejo e satisfação humanos. 

O resultado desse processo de avaliação precário acaba induzindo a tomada de decisões que estão sendo implementadas nos órgãos de fomento no sentido de tornar mais pragmáticos os cursos e trabalhos em desenvolvimento na Universidade, onde, então, a lógica do mercado acaba por condicionar a alocação dos recursos. Esse pragmatismo exacerbado leva a retirar do ambiente universitário a profundidade e o estímulo de reflexões acadêmico-científicas de cunho mais questionador e inovador. Esse erro está baseado em um pensamento de senso comum, errôneo, de que as empresas estejam precisando de  que a universidade prepare mão-de-obra de perfil profissionalizante do tipo prático e não questionador e inovador. Essa visão distorcida decorre de uma formação capitalista familiar, sem a compreensão abrangente de como opera o sistema capitalista global. 

Como elemento que se contrapõe a esse tipo de encaminhamento do destino educacional brasileiro, surge o ensino tutorial, que é a mola propulsora do PET, representando a luz e paradigma para a implementação de novas políticas governamentais de forma a produzirmos efetivos avanços no ensino superior brasileiro.

A experiência de tutores que interagem com alunos, com abordagem de grupo, difere, por exemplo, do tradicional sistema de iniciação científica, que, embora represente importante estímulo para formação de recursos humanos na graduação, apresenta limitações significativas em termos de formação da cidadania.

Prof. Dr. OTTO  CORREA ROTUNNO FILHO (UFRJ)
 Presidente do II Congresso Brasileiro da SBrET

AGRADECIMENTOS E HOMENAGEM: Ao educador Anísio Teixeira (in memoriam) e ao filósofo Luiz Sergio Coelho de Sampaio (in memoriam), pela inspiração de estabelecer a discussão fundamentada de temas acadêmico-universitários essenciais, com enfoque na Educação Tutorial,  para repensarmos a atuação social da Universidade no século XXI. 

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